Para o tradutor de Estamos Todos Bem, Ivan Rodrigues Martin, a obra dá voz a uma geração de mulheres “que, no âmbito doméstico, resistiram à lógica desumanizante do fascismo”. O professor e pesquisador da Unifesp comenta também as possibilidades de paralelos com o contexto brasileiro, bem como os desafios da tradução do romance gráfico espanhol.

Ivan Rodrigues Martin possui graduação, bacharelado e licenciatura em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e Espanhola, pela Universidade de São Paulo; com mestrado, doutorado e pós-doutorado na mesma instituição. Atualmente é professor no curso de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Desenvolve pesquisas sobre representações literárias e artísticas da Guerra Civil Espanhola e sobre ensino e aprendizagem da leitura do texto literário em castelhano. Atuoso também como autor de livros didáticos de espanhol.


Palavras Projetos Editoriais: Como foi seu primeiro contato com “Estamos Todos Bem”? 

Ivan Rodrigues Martin: Conheci esse livro de Ana Penyas quando estava fazendo uma pesquisa sobre as representações da Guerra Civil Espanhola e do franquismo no romance gráfico. De imediato, me chamou muito a atenção. Primeiramente por sua autoria feminina — já são muitos os romances gráficos sobre o tema, e são raras as mulheres, tanto como autoras, quanto como protagonistas das histórias. Depois pela beleza do livro, pelo traço delicado e, ao mesmo tempo, impactante. E, finalmente, quando o li, pela qualidade da narrativa, pelo que conta e também pelo modo como está construído.

Palavras: Como foi o processo de tradução da obra? Quais foram os maiores desafios? 

Ivan: Traduzir é sempre um desafio porque, além de ser um trabalho técnico, é também, de alguma forma, um trabalho criativo. Nesse caso específico, além das diferenças culturais que há entre a Espanha e o Brasil, temos as questões temporais, já que a narrativa recupera as histórias vividas no passado. Ao traduzir uma obra com essas características, temos que pensar em como favorecer a compreensão das leitoras e dos leitores mais jovens.

Palavras: Qual a relevância social e histórica, na sua opinião, desse romance gráfico no contexto espanhol? 

Ivan: Desde a Lei da memória histórica, de 2007, já foram publicados na Espanha coleções de romances gráficos sobre a Guerra Civil e sobre o período da ditadura franquista. Diferentemente das outras narrativas, em geral escrita por homens e sobre homens, Estamos todos bem faz um relato do cotidiano das mulheres comuns em uma sociedade machista e profundamente marcada tanto pelo trauma da Guerra, quanto pela violência da ditadura. Ao dar voz a suas avós, Ana Penyas tirou o silêncio de algumas gerações de mulheres que no âmbito doméstico resistiram à lógica desumanizante do fascismo. 

Palavras: Quais os paralelos possíveis dessa obra com o contexto brasileiro?

Ivan: A Guerra Civil Espanhola foi ápice da polarização ideológica que marcou a Espanha nos anos de 1930. Ali, o pensamento ultraconservador ganhou terreno utilizando-se de um discurso falsamente moralista e patriótico, em defesa da família tradicional, da fé etc. etc. Salvaguardada a distância temporal, o que estamos vivendo no Brasil nos dias de hoje se parece muito com isso. Há, inclusive, entre os ultraconservadores brasileiros, os que estão se manifestando a favor de uma Guerra Civil, a favor da implementação de um Estado fascista. Conhecer a história é a maneira mais eficiente de evitar que ela se repita.

Palavras: Qual sua expectativa para os jovens e adultos que irão conhecer “Estamos Todos Bem”? 

Ivan: A expectativa primeira é a de que as leitoras e os leitores do Brasil se encantem com esse lindo romance gráfico. Também desejamos que ele desperte nas pessoas a necessidade de refletir sobre o envelhecimento e sobre a importância das mulheres para a manutenção da vida e dos valores humanistas.

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