Confira a entrevista da autora de Quimera, Celeste Baumann, para o blog da Palavras. Na conversa, ela aborda o processo de construção da obra e as mudanças que ocorreram desde a criação do conto, a primeira publicação em financiamento coletivo e a edição publicada por Palavras.

Celeste Baumann começou na adolescência como prolífica escritora de cartas que trocava com fãs de anime e mangá, e terminou-a como redatora e editora, escrevendo sobre música, quadrinhos e cultura pop. Formado em História pela Universidade Federal de São Paulo, durante a graduação ganhou um concurso de contos com uma história sobre um apocalipse zumbi. Também foi escrito para antologias de terror, de literatura fantástica e de fantasia. Em 2020, foi uma das selecionadas pelo edital Arte como Respiro – Literatura, cujo objetivo era premiar microcontos sobre a vida no pós-pandemia.


Palavras Projetos Editoriais: Você chegou a comentar que a história de “Quimera” foi inicialmente uma encomenda de peça musical feita por um colega para um concurso de música. O que aquela história encomendada entrou na versão final de “Quimera? Eles podem ser considerados ainda a mesma história?

Celeste Baumann: O que aconteceu é que Jonathan Portela, meu colega de faculdade, queria compor uma peça musical para um concurso (ele é músico de formação) e essa peça precisava ser inspirada em uma obra. Podia ser qualquer história. Ele poderia compor uma peça musical inspirada em um conto de Machado de Assis, por exemplo, mas ele queria uma história específica sobre esse menino que foi levado para um navio negreiro, e daí, ele pediu se eu escrevesse esse conto. Eu aceitei, nós conversamos sobre os pontos principais da história e eu escrevi. O conto (escrito por mim) e a peça musical (composta por Jonathan) são obras separadas e que funcionam separadas, mas elas “contam” a mesma história, só que em formatos diferentes.

Palavras: Entre a encomenda da história e a primeira publicação do livro “Quimera, realizada a partir de um financiamento coletivo, por quais caminhos a obra passou até chegar em sua estrutura atual?

Celeste: Em termos de narrativa, pouca coisa mudou. O conto que originalmente escrevi no final de 2013/início de 2014 é essencialmente o mesmo que foi publicado em formato de livro ilustrado pela campanha de financiamento coletivo em 2020. Houve edições e revisões de redação e, claro, houve o acréscimo do final que não existia na primeira versão do conto, mas fora isso a narrativa essencialmente a mesma.

Palavras: O que você motivou a transformar essa história, pretendida como peça musical, em livro?

Celeste: Como disse, o conto (que viraria o livro) e a peça musical são obras separadas, feitas por pessoas diferentes. A peça existe como uma composição musical, mas não chegou a ser oficialmente gravada (por uma orquestra, por exemplo). Agora eu, desde que finalizei a escrita do conto, tive vontade de publicá-lo como livro, mas queria poder fazê-lo com as ilustrações da Lily.

Palavras Projetos Editoriais: A história possui um aspecto interessante, que é a narração do conto em segunda pessoa, a partir do uso da palavra “você”, como se o próprio leitor fosse Kizua. O que te motivou a usar esse recurso para compor a obra?

Celeste: Não é a primeira vez que uso a segunda pessoa nos meus textos, já escrevi outros contos dessa forma, pelo menos dois deles publicados. Gosto muito desse recurso narrativo, pois acredito que permite ao narrador se distanciar da ação ao mesmo tempo em que facilita a introspecção do personagem, ajudando o leitor a entrar em sua mente.

Palavras: De acordo com um relato seu, a história de “Quimera” inicialmente possuía um desfecho aberto, correto? Como você chegou ao desfecho atual e o que te motivou a tomar essa decisão?

Celeste: Na primeira versão do conto, a história terminava na cena em que Kizua se aconchega junto ao desenho na parede do navio. Essa cena deixa a história aberta, pois não se sabe o que acontece com o personagem a partir daí. Se o leitor tentasse imaginar um final mais “historicamente acurado” o mais provável é que Kizua teria morrido a bordo devido às péssimas condições da travessia ou, caso tivesse alcançado a costa com a vida, ele seria vendido como escravo, tal como aconteceu com milhões de africanos traficados para as Américas. Eu decidi que não queria o final mais provável, mas sim algo que desse alguma esperança para o seu futuro, um cenário no qual Kizua e outros prisioneiros se revoltam contra os seus captores e assim tem a chance de não serem escravizados. A mudança aconteceu por conta das muitas leituras que fiz sobre representatividade e da importância e poder da ficção em imaginar cenários e desfechos diferentes para personagens historicamente oprimidos e Quimera é, antes de tudo, uma obra de ficção.

Palavras: Em que momento Lily Carroll, ilustradora da obra, entrou na construção das imagens que compõem o livro?

Celeste: Quando Jonathan Portela começou a compor a peça musical (junto com Luiz Fernandes Neto), eles tinham a ideia de produzir uma animação com a música e ele me pediu a recomendação de algum artista para os desenhos. Indiquei a Lily, pois já havíamos trabalhado várias vezes e porque ela possui a habilidade de trabalhar com diferentes estilos de arte.

Palavras: Há diferenças na história em relação à publicação que realizaram por financiamento coletivo e a atual publicação pela Palavras? Quais são as alterações e novidades que o público pode esperar?

Celeste: O projeto gráfico da Palavras é bem diferente, mais dinâmico, e há pelo menos uma ilustração inédita. Em termos de textos, a história passou por uma nova revisão e há bastante material produzido exclusivamente para os professores.

Palavras: Na sua visão, como a leitura de “Quimera” pode contribuir com a reflexão sobre os processos de escravidão presentes na história do Brasil, e que consequências possuem até hoje?

Celeste: A História da escravidão no Brasil é comumente trabalhada em sala de aula por meio de números e dados, mas pouco familiares sobre os indivíduos que foram escravizados, já que na maioria das vezes, os registros de suas histórias, quando existiram, não chegaram até os dias de hoje. Como a experiência de Kizua é inspirada em milhares de outros escravizados, Quimera permite ao leitor criar empatia ao conhecer as dores e anseios vividos por uma pessoa humana em uma situação desumana. Desta forma, a história da escravidão possivelmente pode se tornar mais compreensível do que os números em uma tabela ou rotas traçadas em um mapa, pois ganha nomes, cheiros, gosto e sensações.

Palavras: Qual sua expectativa para a recepção e o trabalho com “Quimera” pelos professores nas salas de aula do Brasil?

Celeste: Bom, eu realmente espero que os leitores gostem do livro como um todo, texto e ilustrações, e que possam traçar paralelos entre os dados históricos apresentados nos livros didáticos e a narrativa vívida por Kizua, lembrando que, apesar de se tratar de uma história de ficção, aquelas situações são inspiradas em fatos reais que aconteceram com pessoas reais.

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