“Não é de hoje que as fake news existem na sociedade”, lembra o professor Carlos Alberto Mendes de Lima, premiado pela Unesco pelo projeto Imprensa Jovem. O fato é que a propagação de notícias incorretas e informações manipuladas se tornou questões preocupantes no contexto mundial atual.
De acordo com o educomunicador, com o atual boom de notícias falsas, impulsionado especialmente pelas redes sociais e múltiplos criadores de conteúdo na internet, cada vez mais é necessário tornar os estudantes independentes para filtrarem as informações que chegam para si.
Há 15 anos, Lima coordena o Imprensa Jovem, iniciativa desenvolvida pelo Núcleo de Educomunicação da Secretaria de Educação da Prefeitura de São Paulo, que há duas décadas realiza projetos de produção jornalística com os estudantes da rede pública.
Nesse processo de tornar o estudante independente para decidir quais conteúdos devem ou não consumir, Lima reforça o papel fundamental da escola para a formação crítica do jovem atual: é nela que ele recebe a orientação básica para a formação de sua própria filtragem de informações.
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Palavras: O que geralmente chega para você de fake news pelos estudantes? Quais são as indagações que os jovens fazem que se envolvem com fake news?
Carlos Alberto Mendes de Lima: Um tema que mais os preocupa e que envolve fake news é, por exemplo, a questão da vacina, porque tem a ver com o dia a dia deles. Se eles moram em um “prato” ou em um “lugar redondo”, independente para eles. Por isso, o tema “Terra Plana” é muito mais do adulto que discute na internet do que o jovem na sala de aula.
Se é importante tomar cloroquina ou por que isso vai ajudar uma pessoa a se curar da Covid, são temas discutidos na família. Porém, dúvidas sobre a transmissão pelo narguilé, por exemplo, é algo que interessa ao estudante. Por isso, é importante compreender o que afeta o dia a dia desse jovem.
Agora, o que há de fato é: a questão das fake news e da desinformação está na vida dos estudantes, nas coisas que são mais próximas a eles. Dito isso, elas aparecem nas relações que eles têm e em questões que afetam diretamente a eles.
Palavras: O que você quer dizer sobre entender o estudante, você diz entender a realidade, o perfil do estudante em questão?
Carlos Alberto Mendes de Lima: Falo sobre o que ele consome em termos de mídia na internet. O que os afeta diretamente: se é uma notícia falsa, uma pessoa que morreu, um determinado tratamento que vai curar alguma doença… Nesse ponto, entra o trabalho de formação do professor para que ele compreenda como essa informação chegou ao estudante.
A formação do professor é muito importante para ele detectar de onde chegou [a informação falsa], tentar desconstruí-la e falar: “olha, foi dali que você tirou esse tipo de informação? Então é melhor que você pesquise melhor”. Isso quer dizer que o professor vai dando caminhos para o estudante não confiar nessas informações equivocadas e buscar as certas.
Palavras: Como fazer a filtragem das informações? Afinal, hoje somos bombardeados a toda hora com conteúdos. Como orientar o estudante para que ele possa confiar na informação que recebeu no Whatsapp ou que viu no Facebook, por exemplo?
Carlos Alberto Mendes de Lima: Eu alterno essa proposta. Isto é: deixo que a filtragem seja feita pela pessoa. Ela tem autonomia para fazer boas filtragens. Se a gente filtrar, vai ser o que a escola sempre fez: filtrar e tolher a liberdade de acesso do jovem. Com isso, o estudante procura lá fora. Ou seja: na escola ele não pode, mas no celular ele pode.
Dessa maneira, o processo é: orientar, formar o estudante, educá-lo para que ele se torne um mediador das informações, tomando a decisão mais acertada na hora de consumir e de acreditar, ou não.
Palavras: Essa formação seria, então, uma forma de tornar o estudante mais autônomo?
Carlos Alberto Mendes de Lima: Exatamente! Você deve tornar o estudante autônomo e a educação tem esse papel.
O interessante é que o professor não vai ficar o tempo todo dizendo “olha, isso está certo, isso está errado”; ele vai ouvir mais do que falar.
Na escola, em termos gerais, só o professor fala e não escuta. Quando você oferece a oportunidade do educador escutar mais o estudante, com a preparação que ele tem, você passa a bola para o estudante também. Você dá o caminho e faz com que ele busque essa informação.
Se o problema é a “Terra Plana”, que tal, depois de discutir sobre o tema, fazer uma intervenção social, falando para a comunidade sobre a questão da “Terra Plana”? Aí entra o aprendizado e a socialização do conhecimento com a comunidade.
Palavras: Fala-se muito sobre o protagonismo do estudante no Ensino Médio, e você mesmo comentou sobre ferramentas para o estudante tornar-se mais autônomo ao diferenciar o que é fake news do que não é. Isso tudo pode ocorrer a partir da formação do estudante pela Educação Básica? Como?
Carlos Alberto Mendes de Lima: O tema fake news deve ser tratado tanto com estudantes do Ensino Médio, quanto com crianças da Educação Infantil. Esse tipo de formação não é complexo para ser desenvolvido com qualquer público.
Enquanto criança, o estudante automatiza o processo: “faça isso, pense dessa forma”. Não para muito para pensar. O jovem, por outro lado, reflete mais. Ao olhar o mundo com um espectro maior, o momento torna-se interessante para a educação midiática. Estamos falando de uma competência que até está na BNCC, que é a questão de promover a criticidade, a comunicação e a visão crítica sobre as coisas.
Obviamente, se apontamos por onde começar, acredito que na área das Linguagens, por exemplo, a Língua Portuguesa é um bom caminho.
Podemos ter o texto, a fotografia com o texto… Mas lembro aqui que a educação midiática está presente em todos os componentes. É uma oportunidade também para a Língua Portuguesa de dialogar com outras disciplinas. A interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade pode ser um aspecto importante para trabalhar, não só no manejo de uma disciplina, mas de todas.
Palavras: Na sua experiência com mídia, você acredita que hoje está pior o cenário de fake news, tanto em educação como também com mídia, ou ela só é mais evidente?
Carlos Alberto Mendes de Lima: Fake news sempre existiram. Hoje, porém, a coisa extrapolou. Todo mundo pode ser um produtor de mídia. São canais múltiplos. As redes sociais que foram uma só se tornaram inúmeras. É Instagram, Discord… São várias ferramentas e, em cada uma delas, as pessoas podem gerar conteúdos que, de alguma forma, fazem as pessoas acreditarem neles. As notícias falsas e a desinformação tornaram-se um vírus gravíssimo.
Para a cura eficaz desse vírus, precisamos de mudança de cultura, e nem sempre as pessoas estão abertas a elas. Se você falar com uma pessoa que acredita que a Terra é plana, por exemplo, você não vai mudar facilmente a cabeça dela. Pelo contrário, ela vai tentar convencer outra pessoa. E como você luta contra isso? Com a formação. E a escola é um espaço. A escola pública é o melhor espaço para formar novas gerações para que, no futuro, elas sejam leitores mais críticas e consigam combater a desinformação na sociedade.
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