O ensino da gramática ainda é um desafio. Vale a pena ensinar a gramática normativa? A gramática a ser valorizada é aquela que o estudante já traz internalizada, por ser um falante da língua? As respostas imediatas a esses questionamentos é “sim” e “sim”. Sem dúvida, o sistema sintático imprime padrões organizadores à superfície textual, assim como a obediência a certas normas gramaticais influencia na comunicação e, consequentemente, na compreensão leitora, juntamente com os aspectos semânticos. A reflexão que se faz presente é “como e o que ensinar?”.
As nomenclaturas gramaticais são saberes historicamente construídos e devem, sim, ser apresentadas aos estudantes, no entanto é consenso que somente memorizá-las não garante o uso efetivo da língua em situações de práticas sociais. Não basta saber reconhecer e dividir orações, uma vez que o texto não é um amontoado de frases, orações e períodos. É essencial instrumentalizar os estudantes a articular as estruturas sintáticas e as semânticas, bem como a reconhecer o valor das diversas classes de palavras na leitura e na construção de sentido do texto — seja oral, escrito ou multissemiótico — em diversas situações de comunicação. É no exercício da operação com e sobre a linguagem que se constitui o usuário proficiente da língua.
As práticas de ensino de língua, respaldadas pela BNCC, vêm constantemente sendo repensadas pelos professores para propor aos estudantes uma atitude reflexiva em relação mais ao uso da língua em seus diversos contextos do que na apreensão e reprodução de regras da gramática normativa.
A frustração resultante da constatação de que nem todos os estudantes saem da escola usuários proficientes da língua é motriz para pensarmos que a concepção de língua é o ponto de partida para a construção do currículo, assim como do planejamento das aulas. Quando se aborda a língua na perspectiva enunciativo-discursiva, ou seja, como prática de linguagem que está inserida em um contexto comunicativo entre interlocutores que possuem propósitos comunicativos compartilhados, é evidente que o texto, em suas várias expressões, torna-se o centro da reflexão sobre as práticas discursivas.
Em nossa prática, sabemos que ler um texto não se restringe a decodificá-lo. A compreensão perpassa pelo domínio da situação comunicativa e da estrutura textual que ela suscita, além do repertório cultural e do estilo, este sim, relacionado aos recursos linguísticos. Isto é, não se lê uma revista em um consultório médico da mesma forma que se lê um artigo científico, um livro literário ou uma tirinha/charge em jornal ou se assiste a um filme, por exemplo. Parafraseando Drummond, cada texto tem sua chave. Dessa forma, apresentar aos alunos estratégias e procedimentos de leitura é fundamental para provocá-los a participar de forma ativa da construção de sentidos para o que leem. Em outras palavras, trata-se de convocá-lo a ser coautor do texto, interligando o que já sabe com o que está aprendendo por meio da leitura. E isso precisa ser ensinado.
É falsa e distante da realidade a crença de que escrever com adequação é um dom ou que basta um estímulo visual para despertar o estudante-escritor. A garantia de uma produção textual atraente para o leitor resulta de repertório sobre o assunto, de conhecimento da função comunicativa do gênero, da escolha dos recursos linguísticos, discursivos e semióticos que dão sustentação ao texto; assim, também, da articulação entre planejamento, revisão e edição final. Dessa forma, antecipar aos estudantes qual será o contexto de produção do texto — o que escrever, para quem, com que finalidade — é o ponto de partida.
Em síntese, a ação pedagógica alicerçada na linguagem como discurso deve ter o texto como centralidade e ser pautada por práticas de linguagem em que haja o entrosamento intencional entre a leitura/escuta, os conhecimentos linguísticos, semânticos e discursivos e a produção escrita, com o fim de aprimorar e ampliar as diversas possibilidades de participação significativa e crítica nas diferentes situações comunicativas da atividade humana, sejam elas escrita, oral ou multissemiótica. Assim, precisamos criar situações de ensino e de aprendizagem oportunas para observações, levantamentos e checagens de hipóteses, problematizações e de trocas de interpretações, assim como para sistematização dos objetos de conhecimento em estudo.
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Elenice Rodrigues Souza e Silva é bacharela e licenciada em Língua e Literatura Portuguesa e especialista em Língua Portuguesa pela PUC-SP. Além de professora é assessora de Língua Portuguesa das redes pública e particular de São Paulo.