A ilustradora de Quimera, Lily Carroll, comenta em entrevista para o blog da Palavras sobre a produção do livro, os desafios na produção das imagens e outras histórias relativas à obra.

Lily Carroll nasceu e cresceu na capital paulista e até hoje usa a carteirinha da biblioteca do seu bairro. Atuou como redatora e editora em revistas sobre animação e cultura japonesa e atualmente se dedica a produções independentes que divulga e comercializa em eventos de quadrinhos e pela internet. É conhecida pelo traço bonitinho e aterrorizante (o que não são mutuamente excludentes) de suas obras. Também é técnica formada em Desenho de Comunicação, Desenho de Moda e Biblioteconomia.


Palavras Projetos Editoriais: Como você chegou na produção das ilustrações de “Quimera”? Qual era sua relação com a autora, Celeste Baumann, anteriormente à produção do livro?

Lily Carroll: Olá a todos! Bem, Quimera começou como um projeto multimídia concebido por dois músicos, que desejavam produzir uma peça musical baseada em um conto original, tendo a diáspora africana como pano de fundo. Celeste foi convidada a escrever a história e eles queriam também produzir uma animação com a música, para isso precisavam de ilustrações, e foi aí que eu entrei.

Celeste e eu somos amigas e “parceiras de crimes” desde 2000, quando nos conhecemos no curso de Desenho de Comunicação na ETEC Carlos de Campos. Ela me viu desenhando um personagem do anime Yu Yu Hakushô no caderno e o resto é história.

Palavras: Você comenta, em um depoimento presente no site da Palavras, que a obra foi um desafio em relação aos conteúdos de seus outros trabalhos. Como ele se diferenciou desses outros trabalhos?

Lily: Mesmo tendo feito outros trabalhos com temáticas sombrias, Quimera seguia para outra via. Costumo escrever e ilustrar fantasia sombria, aquele macabro exagerado que às vezes pende para o piegas, fofo e “cartoonizado”, o que definitivamente não é o clima que desejamos para o livro em questão. As artes de Quimera têm um toque exagerado, mas o seu conceito de “horror real” era uma direção que nunca tinha me sentido confiante de caminhar até então.

Palavras: Você diz, nesse mesmo depoimento, que muitas das suas inspirações vieram das histórias em quadrinhos e do trabalho de Darel Valença Lins, gravurista pernambucano. Como essas referências trouxeram a técnica e o estilo das ilustrações presentes em “Quimera”?

Lily: As histórias em quadrinhos sempre são meus guias para contar uma história por imagens, mas como comentei anteriormente, Quimera precisa de uma atmosfera que eu não havia experimentado ainda, e foi pura sorte eu ter visitado uma exposição dedicada ao Darel na Caixa Cultural e conhecer sua obra naquele momento. As suas gravuras e ilustrações têm texturas e hachuras lindas, nas quais as sombras parecem esconder monstros, mesmo nas cenas mais cotidianas. Nessa linha das sombras e texturas busquei inspiração nas gravuras de Francisco de Goya, que também teve uma mostra na Caixa Cultural onde pude fotografar referências e conseguir um catálogo.

Palavras: Quanto tempo levou para a construção das ilustrações, e quantas versões você se recorda de ter construído até chegar em soluções para a obra que você julgava adequadas?

Lily: As primeiras ilustrações foram produzidas seguindo o que os músicos tinham em mente para a animação. Eu costumava fazer uns três esboços pequenos de cada cena, depois de aprovados eu fazia um rascunho mais elaborado e na sequência, depois dos ajustes para adequar ao que eles queriam, eu partia para a arte final. Quando a ideia do livro separado da música foi lançada, eu passei a ter mais liberdade nos ângulos e na experimentação, mas ainda seguia o mesmo princípio de estudos, esboço para detalhes e finalização com nanquim.

Palavras: Na sua visão, como as ilustrações auxiliam ou complementam a história escrita pela Celeste? Quanto de autoria da obra você considera que está presente em suas ilustrações?

Lily: Quando vou ilustrar algo, quero que as imagens ajudem o espectador a entrar na atmosfera da história. Os desenhos são o convite para a visão confusa, sombria e cruel que Kizua encara quando é capturado.

Palavras: Na sua opinião, qual a importância de “Quimera” para a reflexão sobre o cruel processo histórico que foi a escravidão, que possui suas marcas até hoje na sociedade brasileira? Onde ele se encaixa nesse debate?     

Lily: Em sala de aula a diáspora africana e a escravidão são tópicos abordados como uma coleção de números e fatos. Quando chegou o primeiro navio negreiro no Brasil, marcando o início, milhões de africanos foram trazidos etc. Não há empatia, apenas informações que depois você usa no vestibular. Obras como Quimera ajudam a dar um rosto, trazem uma pessoa como vocês e eu, que tinha vida, família, liberdade e dignidade e de repente, tudo lhe é tirado. Os personagens dessas histórias lhe pegam pela mão, dizem seus nomes e contam o que aconteceu para além dos números e fatos frios das aulas.

Palavras: Qual sua expectativa para a recepção de “Quimera” pelos professores e estudantes de Ensino Médio pelo Brasil, que irão trabalhar com a publicação em sala de aula?

Lily: Não quero criar expectativas, melhor criar salmão! Ok, piadas ruins à parte, deixo aqui o meu desejo sincero que professores e estudantes encontrem nas palavras e na arte de Quimera ferramentas para criação de novas conexões e ideias.

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